A questão se os bancos grandes e frágeis, como Citigroup e Bank of America, devem ou não ser estatizados está dividindo os Estados Unidos até as mais altas esferas das finanças. Em 18 de fevereiro, o “Financial Times” mostrou Alan Greespan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), dizendo que a estatização temporária de alguns bancos “pode ser necessária”. Seu sucessor, Ben Bernanke, disse seis dias depois no Congresso do país que a estatização “simplesmente não é necessária”. As ações dos bancos dispararam 13% com o comentário.
A verdade é que a estatização não é uma cura indolor para bancos enfermos. Pode acabar sendo cara e desordenada. Ainda assim, pode ser a solução apropriada para uma ou mais das grandes instituições mais vulneráveis. O motivo é simples: a economia dos EUA continua em declínio apesar de quase dois anos de meias-medidas para sustentar o “status quo”. São necessárias ações extremas para consertar o sistema financeiro. Poderia revelar-se que tais medidas apenas têm condições de ser tomadas via estatização. A nacionalização daria ao governo federal poder para negociar – e, se necessário, forçar – uma solução viável para os envolvidos mais relevantes.
A chave para entender o debate sobre a nacionalização é focar-se em quem sofrerá as penas com uma reestruturação bancária: serão, principalmente, a população que paga impostos e os donos de ações ordinárias, como vem sendo até agora? Ou o sofrimento também atingirá acionistas preferenciais e até alguns tipos de credores, como os estrangeiros detentores de bônus, outros bancos e os que negociaram derivativos exóticos?
Outras questões sobre a estatização geram polêmicas ardentes, mas são distrações. Certamente pode-se relegar a controvérsia sob os grandes gastos do governo para apoiar bancos estatizados, pois os contribuintes já gastam bilhões, com ou sem nacionalização. Da mesma forma, embora o risco de que o governo possa interferir nas decisões sobre crédito seja uma questão válida, é algo evitável, especialmente se o banco for rapidamente reprivatizado. Além disso, as autoridades reguladoras e o Congresso já administram meticulosamente as decisões das instituições. Pergunte aos executivos-chefes do Citigroup, Vikram S. Pandit, e Bank of America, Kenneth D. Lewis.
A experiência do Japão durante a “década perdida” de baixo crescimento nos anos 90, quando escorava os bancos “zumbis” em vez de consertá-los de forma decisiva, é para os EUA uma fábula cuja moral pode servir de alerta ao governo. Um dos grandes motivos pelos quais Tóquio resistia a tomar medidas drásticas e custosas era a recorrente opinião pública contrária dos ressentidos contribuintes japoneses. As lições gêmeas a serem aprendidas com o caso japonês, então, são a necessidade de se agir rapidamente e de ganhar o apoio público, convencendo os contribuintes de que não estão sendo forçados a arcar com uma parte injusta dos fardos.
Então, de que forma o peso dos fardos deve ser dividido nos EUA, se é que deve ser dividido? Bem, os credores de bancos frágeis foram amplamente poupados até agora. A questão política – e, vamos admitir, a estatização é tanto uma questão política quanto econômica – é se esse tratamento preferencial pode ou deve continuar. Os grandes detentores de bônus estão ficando nervosos, enquanto veem a maré da opinião publicar virando-se contra eles. Kathleen C. Gaffney, coadministradora do Loomis Sayles Bond Fund, considera aceitável que os acionistas saiam perdendo em resgates de bancos porque eles “sabem o risco” que correm.
Em contraste, “os detentores de bônus esperam pelo menos ter o retorno do principal”, argumenta. Da mesma forma, Joshua S. Siegel, diretor da empresa nova-iorquina de investimentos em participações StoneCastle Partners, afirma que forçar os credores de bancos a um corte “seria reescrever as leis do comércio”. “Os mercados de capitais desabariam, pois quem iria comprar de novo títulos de dívidas de qualquer companhia que seja regulada?”
Os detentores de bônus que “odeiam estatizações” torcem pelo mesmo que Bernanke e o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner: que os grandes bancos possam ser curados com uma injeção relativamente pequena e temporária de capital público, aliada à nova iniciativa do Tesouro de extrair os ativos mais debilitados de seus balanços patrimoniais. No cenário ideal, os contribuintes têm seu retorno no longo prazo, quando o patrimônio líquido dos bancos se recuperar e a participação do governo se tornar valiosa. (Em 25 de fevereiro, o Tesouro informou que até o fim de abril encerrará os testes para determinar se os 19 maiores bancos do país precisam de mais capital.)
Porém, há vozes igualmente fortes argumentando que os contribuintes estão sendo feito de idiotas e que os credores deveriam absorver agora parte do custo do resgate. As transmissões de rádio e TV também estão repletas de contribuintes reclamando por ter de resgatar “gatos gordos”, como se costuma chamar pejorativamente os investidores gananciosos que vivem apenas da renda de seu grande capital. Alguns especialistas em finanças compartilham a visão. “Os detentores de ações e bônus deveriam perder primeiro, antes dos contribuintes. Eles fizeram a escolha de investir sem a análise devida”, diz Donn Vickrey, cofundador da Gradient Analytics, uma empresa de pesquisas de mercado em Scottsdale, no Arizona.
O que os contribuintes e seus defensores mais temem é que os bancos suguem tanto dinheiro público como foi o caso da voraz seguradora American International Group (AIG), a maior do mundo. O governo adquiriu 79,9% da empresa nova-iorquina em 2008 e concedeu-lhe US$ 150 bilhões para evitar sua inadimplência. É provável que a seguradora ainda precise receber mais injeções.
Uma questão intrigante no caso da AIG é se todos seus contratos são considerados igualmente sagrados. Seria claramente perigoso para a AIG deixar de honrar os swaps de crédito, contratos de derivativos para proteção contra calotes, que estão ajudando a sustentar bancos europeus. No entanto, pode ser que existam outros swaps em que a AIG entrou junto com especuladores que apostaram contra o valor dos títulos de dívidas de empresas. Não é possível saber, uma vez que a identidade dos que fizeram esses swaps com a AIG não foi revelada. Outra questão em aberto é se os bancos problemáticos possuem papéis similares.
Mesmo se o governo quiser fazer os credores pagarem algo, não está claro com poderia fazê-lo. É relativamente fácil quando o Federal Deposit Insurance Corp. (FDIC) assume um banco de depósitos: se o ativo valer menos que o passivo, o FDIC é autorizado a obrigar que os credores sem garantia dividam as perdas.
A agência governamental, no entanto, não tem tal autoridade sobre conglomerados bancários – as organizações que controlam subsidiárias como o Merrill Lynch, do Bank of America. Tecnicamente, a única forma de impor perdas aos credores seria levar o conglomerado bancário à corte de falências. Ninguém, entretanto, quer passar por outra quebra como a do Lehman Brothers no outono passado (primavera no Hemisfério Sul), que ajudou a atolar o sistema financeiro mundial.
Mesmo assim, muitos analistas dizem que, se a situação ficar crítica, o governo encontrará alguma forma de fazer os credores absorverem parte das perdas. R. Christopher Whalen, da Institutional Risk Analytics, acredita que o Citigroup é o único banco fraco a ponto de precisar ser nacionalizado. Os detentores de bônus ficariam com pelo menos 70% das perdas, quando não 100%, se o banco for estatizado, prevê. Porém, não afundariam quietos, ressalta. “Os detentores de bônus provavelmente são a classe de investidores mais bem organizada que existe. Estamos falando de pequenas senhoras idosas, fundos de pensão e governos estrangeiros.”