Instituída pela ONU (Organização das Nações Unidas), a data foi marcada por 16 dias de ativismo para combater a violência contra mulheres, que encerra nesta quinta-feira (10). A ONU Mulheres orienta o envio de mensagens às vítimas: “Você NÃO está sozinha”.
Leia a seguir o artigo de Phamela Godoy
Em briga de marido e mulher não se mete a colher?
Phamela Godoy*
Em uma país com uma cultura tão rica como o nosso, as expressões e ditados populares tem de grande relevância na nossa formação de caráter, de pensamento e de personalidade.
Tenho certeza que você já ouviu, nem que seja uma única vez na vida, o ditado “Em briga de marido e mulher não se mete a colher”.
Mas será que realmente esse ditado tem impacto na nossa formação?
Em 2014 o IPEA[1], tentou responder essa pergunta e constatou que 87% das pessoas entrevistadas (homens e mulheres) disseram acreditar que essa expressão está correta.
Talvez se os/as entrevistados/as fossem perguntados/as sobre os motivos, possivelmente uma parcela considerável teria justificado que, por entender que as questões familiares são de âmbito privado, não seria adequado o envolvimento de pessoa alheias aquela relação, o que poderia significar uma violação da intimidade do casal.
Mas veja, a frase utiliza a palavra briga e não decisões familiares, como: o que será feito para o jantar; onde os filhos vão estudar; ou em qual religião eles serão criados. Se assim o fosse, estaríamos diante de questões privadas, muito diferente de uma briga.
Além disso, quando ocorre uma briga, um ato de violência entre um homem e uma mulher, no âmbito doméstico ou familiar, a mulher tem costumeiramente sua dignidade violada seja a dignidade física, sexual, psicológica, moral ou até mesmo a patrimonial.
Isso ocorre em razão da desigualdade de poder presente nas relações, construída historicamente a assimilada culturalmente como “normal”, como por exemplo, por meio de mecanismos como o ditado “Em briga de marido e mulher não se mete a colher”.
As desigualdades constituem uma lógica perversa, onde determinados grupos sociais julgam-se superiores em relação a outros, assim acreditam que são merecedores de privilégios e de um certo modo, possuem o direito de exercer domínio sobre os corpos de outros grupos sociais.
Esta lógica está presente nas discriminações baseadas em gênero, como é o caso da violência doméstica e familiar, mas também das discriminações motivadas por racismo, LGBTfóbia, xenofobia, entre outras.
Combater as desigualdades, construir um mundo melhor, onde todas as pessoas possam viver em segurança e ter plenas condições de desenvolvimento não são questões privadas, não é mesmo? São questões sociais, onde toda a sociedade tem como responsabilidade idealizar e edificar um amanhã melhor.
Felizmente, diversos atores sociais, como entidades da sociedade civil, sindicatos, empresas, estudantes e trabalhadores, têm entendido desta forma e assumindo a sua parcela de responsabilidade pelo fim deste grave problema social e articulando ações para prevenir a violência doméstica ou familiar contra a mulher e quando o caso, acolher esses mulheres, enfim, estão metendo a colher neste problema.
Quero dedicar este trecho final para compartilhar com você duas iniciativas que têm relação direta com as trabalhadoras de bancos, financeiras e cooperativas de crédito.
A primeira iniciativa é o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) de Prevenção à violência contra a mulher, da categoria bancária, assinado em março de 2020 e que na última campanha salarial foi incorporado a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) 2020/2022.
Está importante conquista do movimento sindical bancário, não só garante a produção de conteúdos de informação sobre o tema – afinal conhecimento é fundamental para desconstruir essa cultura que legitima a violência contra a mulher – mas tem como a principal avanço, a criação de um canal de apoio para oferecer acolhimento e orientação para as bancárias em situação de violência doméstica ou familiar
A convenção ainda garante o atendimento sigiloso e medidas como a realocação para outra dependência e alternância de jornada, visando a segurança da bancária e a manutenção do emprego, garantindo a autonomia econômica, essencial para o rompimento do ciclo da violência doméstica e familiar.
Apesar da iniciativa ser recente, mais de 30 mulheres foram atendidas por este mecanismo.
Outra iniciativa que quero compartilhar é o Projeto Basta! Não irão nos calar, do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, o qual tenho a honra de coordenar.
O Projeto Basta! Não irão nos calar, foi lançado em 9/12/2020, para oferecer atendimento jurídico especializado para mulheres em situação de violência doméstica, familiar ou em razão de qualquer outra forma de discriminação de gênero, atende bancárias e não bancárias.
Além da orientação, a equipe do projeto acompanha a atendida no registro do Boletim de Ocorrência, realiza a solicitação judicial das medidas protetivas de urgência, assim como ingressa com as demais ações judiciais necessárias para o efetivo rompimento de vínculo com o agressor.
Em um ano, cerca de 60 mulheres foram atendidas por esta iniciativa.
Esses são só alguns exemplos do que pode ser feito, como falamos anteriormente, toda a sociedade tem responsabilidade com o fim da violência contra a mulher, juntos vamos construir um mundo melhor, onde todas as mulheres vivam livres da violência.
Por fim, espero que você nunca passe por isso, mas se você trabalhadora de banco, financeira ou cooperativa de crédito, estiver em situação de violência doméstica ou familiar, ou se alguma colega de trabalho está nesta situação, procure o canal do seu banco e o seu sindicato, você não está sozinha.
*Phamela Godoy, advogada feminista, Pós Graduada em Direitos das Mulheres e Coordenadora do Projeto Basta! Não irão nos calar!
[1] Fonte:https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_violencia_mulheres_novo.pdf

Quem é Phamela Godoy
Phamela Godoy, advogada, formada pela Universidade Anhembi Morumbi, com pós graduação em Direitos das Mulheres, pela UNIDOMBOSCO.
– Coordenadora adjunta de Politicas LGBT, da Prefeitura de São Paulo (2013-2014).
– Assessora especial da Secretaria de Politicas para Mulheres, da Prefeitura de São Paulo (2016).
– Assessora do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região (2017-2019). Atualmente coordena o Projeto Basta! Não irão nos Calar, do SEEB SP, que oferece atendimento jurídico especializado para mulheres em situação de violência doméstica e discriminação de gênero e para vitimas de racismo.