
Diante de brutal mudança, cabe indagar: Quem vai lucrar com a privatização da Previdência, via capitalização? “Os grandes favorecidos serão os bancos”, afirma a coordenadora de pesquisas do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Pelatieri, em entrevista ao site Brasil de Fato, no último dia 25 de fevereiro.
Se a reforma for aprovada sem alteração, o professor Eduardo Fagnani vê o Brasil daqui a 30 anos “como um país onde o servidor público vai estar no sistema de capitalização, que já existe, o pessoal do regime geral (setor privado) também vai estar no regime de capitalização, que será criado, e a grande massa da população estará num sistema assistencial barato no sentido de que é precário e custa pouco”.
Excludente e cruel, segundo o professor Eduardo Fagnani, a reforma proposta “praticamente elimina a possibilidade de uma pessoa ter aposentadoria integral. Talvez uma parcela muito pequena da população, entre 5% e 10% terá direito ao benefício integral. Por que? Porque a reforma estipula a idade mínima de 65 anos de idade para homens, 62 para mulheres e 40 anos de contribuição. A esmagadora maioria da população, cerca de 90%, não vai conseguir atingir 40 anos de contribuição”. E a aposentadoria parcial, equivalente a 60% da média dos salários? Será também para poucos. Com desemprego em alta, mercado de trabalho informal (37 milhões de pessoas, segundo o IBGE) e trabalho intermitente (entre outros efeitos da reforma trabalhista), que não possibilitam contribuições sistemáticas, será difícil acumular 20 anos de contribuição; hoje, 15 anos.
E o que a reforma prevê para os excluídos? Benefício de Prestação Continuada (BPC) rebaixado. Hoje é pago pra idosos muito pobres e deficientes um salário mínimo nacional (R$ 998,00), a partir dos 65 anos de idade. Com a reforma, valor reduzido, apenas R$ 400,00 para aqueles com idade entre 60 e 69 anos, a partir dos 70 anos de idade, um salário mínimo.
Financiamento da Previdência e reforma tributária
O governo federal vende a Reforma da Previdência como salvação nacional, sem ela, o país quebra. “Trata a política de proteção social como um problema fiscal, como um problema de despesa”, destaca a pesquisador do Dieese, Patrícia Pelatieri. A história não é bem assim. Para o professor Eduardo Fagnani, em matéria publicada no site da Rede Brasil Atual, no dia 11 deste mês de março, o argumento do governo federal é “algo quase rudimentar”. “Ajuste fiscal é receita e despesa; eu não posso ficar só na despesa”, frisa o professor da Unicamp ao lembrar que o financiamento da Previdência depende em grande parte da massa salarial. “As alternativas passam pelo crescimento da economia”. E mais: “a Previdência do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) urbano, durante quase sete anos, entre 2007 e 2014, foi superavitária porque a economia cresceu. Então, se a economia cresce, cai a taxa de desemprego, aumentam os salários, aumenta a receita”.
E os argumentos absurdos do governo federal não param aí. O ministro da economia, Paulo Guedes, anunciou que a Reforma da Previdência vai gerar uma receita de um trilhão de reais em dez anos. O professor Eduardo Fagnani aponta outro caminho, sugere uma revisão de isenções fiscais, combate à sonegação e redução da taxa de juros. “Se somarmos R$ 400 bilhões de isenções fiscais, R$ 400 bilhões de juros e R$ 500 bilhões de sonegação, temos cerca de R$ 1,3 trilhão todo ano. Claro, não dá pra cortar tudo de uma vez, mas se o governo propuser cortar 30% desse R$ 1,3 trilhão, são cerca de R$ 400 bilhões por ano”.
A solução, o antídoto contra propostas mirabolantes, a saída para a Previdência, segundo o professor da Unicamp, é a reforma tributária. “A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) fizeram estudo que mostra que tecnicamente é possível aumentar as receitas da tributação sobre a renda e o patrimônio em cerca de R$ 360 bilhões”. “O Brasil tem um sistema de financiamento tripartite desde o governo Getúlio Vargas; a Constituição Federal aprimorou esse sistema, mas não fez a reforma tributária. Desde 1988 a seguridade social, que inclui a Previdência, é financiada pelo Cofins, a contribuição do empregado e do empregador”, esclarece Eduardo Fagnani.
Capitalização reduz aposentadoria, no Chile
Em 1981, o ditador chileno Augusto Pinochet privatizou a Previdência, ao impor o sistema de capitalização. O mesmo que o governo brasileiro quer implantar agora com a Reforma da Previdência. Trinta e oito anos depois, o sistema fracassou no Chile. O prometido retorno de 70% do salário médio virou 35%. Como disse a pesquisadora do Dieese, Patrícia Pelatieri, “No Chile, as seis instituições que fizeram o modelo de capitalização lucraram bilhões, enquanto a aposentadoria dos trabalhadores ficou muito abaixo do esperado”.
Reforma da Previdência
Proposta de Emenda à Constituição (PEC 6)
Principais pontos:
1. Aposentadoria, idade mínima: 62 anos para mulher e 65 para homem. A elevação da idade mínima desconsidera as diferenças sociais regionais.
2. Expectativa de vida: redefine idade mínima de aposentadoria a cada 4 anos.
3. Fim da aposentadoria por tempo de contribuição.
4. Fim da regra 86/96 para aposentadoria integral.
5. Aposentadoria integral, setor privado ou público, somente com 40 anos de contribuição.
6. Aposentadoria parcial: 20 anos de contribuição, com 60% da média dos salários. Hoje, 15 anos.
7. Regra de cálculo do benefício: hoje, 80% da média dos maiores salários desde julho de 1994. Pela nova regra, serão considerados 100% do valor do mesmo período.
8. Regra de transição. Três opções: 1) aposentadoria por pontos (soma da idade com o tempo de contribuição); 2) aposentadoria por tempo de contribuição com idade mínima; 3) aposentadoria sem idade mínima (fator previdenciário com pedágio). “A regra de transição é muito curta com 10, 12 anos”, conclui o professor da Unicamp, Eduardo Fagnani.
9. Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos muito pobres e deficientes: De 60 a 69 anos de idade, R$ 400,00. A partir dos 70 anos, salário mínimo nacional (hoje, R$ 998,00). Atualmente, a partir dos 65 anos de idade, BPC equivalente a um salário mínimo nacional.
10. Empregador não terá de recolher FGTS de trabalhador aposentado.
11. Trabalhador aposentado não terá direito à multa do FGTS se for demitido.
12. Abono salarial (PIS) limitado a trabalhadores que recebam até um salário mínimo mensal (inscrição mínima de 5 anos no PIS/Pasep e ter trabalhado ao menos 30 dias no ano em questão). Hoje, o abono é pago a quem recebe até dois salários mínimos mensais e cumpre as outras duas condições de acesso. A limitação exclui cerca de 89% dos atuais beneficiários do programa, segundo números do extinto Ministério do Trabalho. Ou seja, 21 milhões de trabalhadores deixarão de receber o benefício. Para o governo federal economia de R$ 150,2 bilhões em 10 anos. Cálculos do IFI (Instituto Fiscal Independente).
13. Estatais poderão demitir funcionários aposentados. Entre as empresas com regime da CLT (e contribuição ao INSS), estão a Petrobras, Eletrobras, Correios e Banco do Brasil. A alteração na Constituição Federal (parágrafo 10 do artigo 37, que trata da administração pública) torna as estatais mais atrativas no plano de privatização do governo federal. O fim da multa do FGTS, segundo especialistas, “facilita” ainda mais as demissões.
14. A regra que determina reposição da inflação para os benefícios acima do salário mínimo nacional, pagos a aposentados e pensionistas da iniciativa privada e do setor público, será retirada da Constituição. (FSP 27/02/2019).
Foto: Wanessa Soares