Depois de participar com 20% do consórcio para exploração de petróleo no campo de Libra (pré-sal), via empresas CNPC e CNOOC, os chineses avançam agora no Sistema Financeiro Nacional (SFN). No dia 31 de outubro último, uma semana após o Banco do Brasil ser autorizado a elevar a participação estrangeira em seu capital, o China Construction Bank (CCB) passou a deter 72% do capital do BicBanco e promete comprar a fatia dos minoritários. Para entender essa movimentação dos chineses no SFN e o impacto no mundo do trabalho – o CCB aterrissou um ano após a chegada do Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) -, O Bancário entrevistou o professor José Ricardo Barbosa Gonçalves, do Instituto de Economia da Unicamp. Confira.
O Bancário – Uma semana após o governo federal autorizar o Banco do Brasil a elevar a participação estrangeira em seu capital, de 20% para 30%, aterrissou no país, no dia 31 de outubro, o segundo maior Banco em valor de mercado do mundo, o chinês CCB (China Construction Bank). A porta de entrada no SFN foi o BicBanco. Para deter 72% do capital do Banco da família cearense Bezerra de Menezes, o CCB pagou R$ 1,621 bilhão. Qual o impacto da entrada do CCB no sistema financeiro nacional, praticamente um ano após o ingresso do ICBC (Industrial and Commercial Bank of China), líder global em valor de mercado, o maior Banco comercial da China?
José Ricardo Barbosa Gonçalves – A entrada dos Bancos chineses corresponde a um aprofundamento das relações bilaterais China-Brasil. O Plano Decenal prevê a quadruplicação do volume de transações entre as nações, algo em torno de 300 bilhões de dólares em 2021. Essas relações, portanto, se revelam prioritárias na visão estratégica do desenvolvimento nacional. Considere-se que a presença estrangeira no sistema financeiro só se efetiva constitucionalmente através do governo, que requer uma definição em torno do interesse nacional. Nesse sentido, pode-se aventar que esse interesse estaria também sendo contemplado no que diz respeito a uma perspectiva de incentivar a concorrência no sistema financeiro, fortalecendo instituições de médio e pequeno porte.
A compra do BicBanco, uma instituição cujas operações de crédito, com avais e fianças, totalizam 13,6 bilhões de reais, representa uma iniciativa que colocará o capital chinês no universo de referência das economias pessoais. Ou seja, o capital financeiro chinês não só estará atuando no financiamento do comércio bilateral, mas também estará presente no financiamento do crédito ao consumo. Essa operação do CCB revela um novo patamar da participação do capital chinês no sistema financeiro brasileiro.
O Bancário – O BicBanco, segundo comunicado (fato relevante) do CCB, vai seguir como Banco comercial, focado no setor de mercado de médio porte. Ainda segundo o citado comunicado, o Banco de Construção da China pretende fechar o capital do BicBanco na Bolsa de Valores, depois de comprar a fatia dos minoritários. O CCB, que atua nas áreas de infraestrutura, construção civil, consumo, comércio exterior, dentre outros segmentos, se estabelece no Brasil para acompanhar as empresas do país asiático. O que pode acontecer no mundo do trabalho? Significa alguma mudança no nível de emprego e nas condições de trabalho?
José Ricardo Barbosa Gonçalves – O fechamento do capital pode significar que o Banco não pretende se colocar diante da pressão dos acionistas, em relação a definição de sua orientação. O Banco buscará resultados conforme as condições do mercado, mas contemplará as expectativas definidas pelo governo chinês.
É um momento, para o Banco, de aculturação dos chineses às condições do mercado de trabalho. Dessa forma, a expectativa é que eles se acomodem às práticas vigentes nas nossas relações de trabalho.
No processo de consolidação de sua presença no mercado, podem-se aventar pressões em conformidade com as práticas chinesas. Diante dessa possibilidade, é interessante observar as condições das relações de trabalho na China. Salientam os relatórios oficiais, que com a reformulação das leis de contratos de trabalho, há uma valorização da negociação coletiva. A dinâmica da negociação, conforme a legislação chinesa, envolve a mediação, a arbitragem e o processo civil. A mediação é um sistema tradicional da sua cultura para o equacionamento das questões através de comitês presentes nas vilas, províncias e locais de trabalho, fazendo parte da vida social chinesa. Um segundo momento é a arbitragem que configura o passo formalizado das disputas em torno do trabalho. As suas normas são definidas e nem sempre os árbitros designados são qualificados em torno das questões. Não equacionados, os conflitos de trabalho, que não possuem uma jurisdição própria, são, então, julgados pela legislação civil.
Desde 2008, a crise e o acirramento dos conflitos levou o governo a incentivar a formação de sindicatos como representantes dos interesses dos trabalhadores. No entanto, questiona-se a relativa autonomia desses sindicatos, assim como os procedimentos a que estão submetidos no processo de reinvindicação de direitos.
Deve-se observar que as práticas de terceirização vêm sendo incrementadas pelas empresas chinesas, apesar da Lei dos Contratos Trabalhistas, que, em tese, deveria minimizá-las. Nesse sentido, pode-se sugerir que a relação do capital com o trabalho tende a apresentar tensões que universalizam as questões do trabalho.
13/11/2013
Negócio da China no Brasil, via BicBanco
CCB chega para financiar consumo e pode
universalizar questões do trabalho