O ciclo de expansão produtiva entre as décadas de 1930 e 1980 estabeleceu à economia social papel secundário e subordinado às decisões de gastos privado e público. Imperava até então a máxima de crescer para depois distribuir, o que implicaria continuadamente no tempo um espaço, em geral estreito, para o avanço da autonomia relativa do gasto social.
A partir da Constituição Federal de 1988, quando se consolidam os grandes complexos do Estado de Bem-Estar Social no Brasil, especialmente no âmbito da seguridade social (saúde, previdência e assistência social), cresceu significativamente o gasto social como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, o gasto social agregado deve aproximar-se dos 23% do PIB, quase 10 pontos percentuais a mais do verificado em 1985 (13,3%). Em síntese, percebe-se que a cada R$ 4,00 gastos no país, R$ 1,00 encontra-se vinculado diretamente à economia social. Se for contabilizado também o seu efeito multiplicador (elasticidade de 0,8) pode-se estimar que quase a metade de toda a produção de riqueza nacional se encontra relacionada direta e indiretamente à dinâmica da economia social.
O impacto econômico do avanço do Estado de Bem-Estar Social no Brasil ainda não tem sido percebido adequadamente. Tanto assim que continua a reinar a visão liberal-conservadora que considera o gasto social secundário, quase sempre associado ao paternalismo de governantes e, por isso, passível de corte. O Ipea tem se debruçado sobre o tema, trazendo à luz recentes referências técnicas que colocam em relevância o novo papel da economia social no País.
Inicialmente pelo fato de o rendimento das famílias depender, em média, de quase 1/5 das transferências monetárias derivadas das políticas previdenciárias e assistenciais da seguridade social brasileira. Antes da Constituição Federal de 1988, as famílias não chegavam a obter, em média, 10% dos seus rendimentos das transferências monetárias. Os segmentos de menor rendimento foram os mais beneficiados pela constituição do Estado de Bem-Estar Social, uma vez que em 2008, a base da pirâmide social (10% mais pobres) tinha 25% do seu rendimento dependente das transferências monetárias, enquanto, em 1978, essa razão era somente de 7%. Uma elevação de 3,6 vezes. No topo da mesma pirâmide social (10% mais ricos), as transferências monetárias respondiam, em 2008, por 18% do rendimento per capita dos domicílios ante 8% em 1978. Ou seja, aumento de 2,2 vezes.
Adicionalmente, observa-se que, em 1978, somente 8,3% dos domicílios cujo rendimento per capita situava-se no menor decil da distribuição de renda recebiam transferências monetárias, enquanto no maior decil, as transferências monetárias alcançavam 24,4% dos domicílios. Quarenta anos depois, constata-se que 58,3% das famílias na base da pirâmide social recebem transferências monetárias, assim como 40,8% do total dos domicílios mais ricos do País. Aumento de 7 vezes para famílias de baixa renda e de 1,7 vez nas famílias de maior rendimento.
Em virtude disso, pode-se concluir a respeito do impacto das transferências previdenciárias e assistências sobre a pobreza. Sem as transferências monetárias, o Brasil teria, em 2008, 40,5 milhões de pessoas recebendo um rendimento de até 25% do salário mínimo nacional. Com a complementação de renda pelas transferências, o Brasil registra 18,7 milhões de pessoas com até ¼ de salário mínimo mensal. Resumidamente, são 21,8 milhões de pessoas que conseguem ultrapassar a linha de pobreza extrema (até 25% do salário mínimo per capita). Em 1978, o efeito da política de transferência monetária impactava somente 4,9 milhões de pessoas.
No caso do efeito das transferências monetárias nas unidades da federação, identificam-se dois aspectos inovadores que decorrem da emergência da economia social. O primeiro se relaciona ao maior peso das transferências no rendimento médio das famílias nos estados nordestinos, como Piauí (31,2%), Paraíba (27,5%) e Pernambuco (25,7%), bem acima da média nacional (19,3%). Até aí, nada muito destoante do senso comum, salvo pela constatação do Rio de Janeiro ser o quarto estado da federação com maior presença das transferências no rendimento das famílias (25,5%, ante São Paulo com 16,4%). O segundo aspecto decorre da constatação de que as famílias pertencentes aos estados mais ricos da federação absorvem a maior parte do fundo público comprometido com as transferências monetárias. Assim, a região Sudeste incorpora quase 50% do total dos recursos anualmente comprometidos com as transferências previdenciárias e assistenciais da seguridade social, estando São Paulo, com 23,5% do total, à frente, seguido do Rio de Janeiro (13,7%) e de Minas Gerais (10,9%).
A descoberta dessas novidades no interior da dinâmica econômica brasileira atual impõe reavaliar a eficácia dos velhos pressupostos da política macroeconomia tradicional. A economia social sustenta hoje parcela significativa do comportamento geral da demanda agregada nacional, ademais de garantir a considerável elevação do padrão de vida dos brasileiros, sobretudo daqueles situados na base da pirâmide social.
Marcio Pochmann é presidente do Ipea e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Escreve mensalmente às quintas-feiras.