No Brasil, entre os avanços sócio-econômicos do país
dos últimos anos, poucos estão na área da saúde
OSENADOR democrata Ted
Kennedy não viveu para participar da sessão histórica do
Senado americano que aprovou, às
vésperas do Natal, a reforma do sistema de saúde dos Estados Unidos.
Kennedy, que morreu em agosto, foi
um dos principais defensores dessa
reforma que já vem sendo perseguida há quase um século pelos norte-americanos.
É difícil acreditar que os EUA, um
dos países mais ricos do mundo e
que gastam trilhões de dólares em
guerras, ainda tenham 50 milhões
de cidadãos sem nenhuma proteção
à saúde, nem seguro privado nem
assistência pública. Mas essa é uma
realidade americana. Os dois sistemas públicos de saúde atendem apenas às pessoas muito pobres e aos
idosos ou deficientes.
Apesar dessa aberração, a votação
no Senado foi apertadíssima: 60 votos a favor, número mínimo para a
aprovação, e 39 contra. O projeto de
reforma do presidente Barack Obama, que já havia sido aprovado na
Câmara, foi bastante modificado no
Senado e depende agora do trabalho
de uma comissão que vai tentar conciliar os dois textos.
Não está ainda aprovado definitivamente, portanto, o novo sistema
de saúde americano, embora os analistas já considerem que Obama obteve uma grande vitória política no
Congresso.
O plano de Obama autoriza o governo a aplicar US$ 871 bilhões (segundo o Senado) ou US$ 1,1 trilhão
(segundo a Câmara) em saúde nos
próximos dez anos. De onde virá esse dinheiro? Uma parte, do aumento
de impostos sobre os mais ricos,
com renda familiar acima de US$ 1
milhão, e outra, do corte de gastos.
A partir de 2013 (Câmara) ou 2014
(Senado), todos os americanos serão
obrigados a ter um plano de saúde,
sob pena de pagar Imposto de Renda adicional. Os que comprovadamente não tiverem recursos para
pagar o plano serão subsidiados pelo
governo. A maior divergência entre
os projetos aprovados na Câmara e
no Senado diz respeito à participação direta do Estado no sistema. Os
deputados autorizaram o governo a
criar um plano de saúde mais barato, para estimular a concorrência
entre os seguros privados. Os senadores retiraram esse item do projeto, sob o argumento de que haveria
uma estatização do setor.
O debate americano sobre saúde deveria estimular os brasileiros a fazer
o mesmo. Aqui, esse tema sempre ficou em plano secundário. Entre os
avanços sócio-econômicos do país dos últimos anos, poucos estão na área
da saúde. O setor público, que tem obrigação constitucional de dar
assistência a todos os brasileiros, vive com escassez de recursos. O
atendimento é precário e impõe grande sofrimento às populações mais
pobres. No setor privado, os planos de saúde atendem apenas a 35
milhões de brasileiros, 18,5% da população. As grandes seguradoras, em
razão do risco, voltaram-se exclusivamente ao atendimento corporativo.
Tudo isso precisa de reformas. A
desassistência está estampada naquele que é talvez o principal indicador da qualidade da saúde de um
país, a taxa de mortalidade infantil.
Ela vem caindo no Brasil -de 47,1
óbitos a cada mil bebês nascidos vivos em 1990 para 23,3 em 2008-,
mas está ainda muito acima do nível
de países desenvolvidos, como Japão (3,2 por mil), Suécia (3,1), Noruega (3,5) e mesmo EUA (6,7).
Neste início de ano, o debate americano, que teve grande destaque na
mídia mundial, serve para nos lembrar que o acesso aos cuidados de
saúde é um direito universal do ser
humano. E o sistema brasileiro está
longe de garantir esse direito.