As flutuações da economia são fenômenos compatíveis com o progresso tecnológico e o aumento do bem-estar
09/03/2009
Irrealismo da economia real
Folha de S.Paulo
INSTIGADO pelo quadro sombrio da crise financeira, o economista Willem Buiter, em seu blog no “Financial Times”, desferiu petardos de grosso calibre contra as cidadelas, já em ruínas, do pensamento econômico dominante. O alvo principal são as teorias monetárias ditas novo-clássicas. Para Buiter, a revolução novo-clássica das expectativas racionais -associada aos nomes de Robert Lucas e Thomas Sargent, entre outros- “tornou-se autorreferencial (…) impulsionada por uma lógica interna e por quebra-cabeças estéticos, em vez de motivada pelo desejo de compreender como a economia funciona (…). Assim, os economistas profissionais estavam despreparados quando a crise eclodiu”.
Lucas e outros não circunscreveram suas aventuras científicas ao campo da teoria monetária. Invadiram a área da teoria dos ciclos econômicos com a elegante teoria dos ciclos reais. Essa inovação teórica dos estetas novo-clássicos é descendente da dicotomia entre economia real e economia monetária, que concede privilégios às forças reais em contraposição aos motivos monetários. Os ciclos econômicos são produzidos por choques desferidos no sistema por alterações nas preferências de agentes -empresários ou consumidores- que, na busca de maximizar a sua função-utilidade, suscitam alterações na matriz tecnológica e na estrutura do consumo. Os choques são absorvidos, mesmo diante de informações incompletas, pela percepção dos agentes racionais a respeito da trajetória provável da economia. Isso impede que os protagonistas cometam erros sistemáticos. Assim, a ação racional dos indivíduos reconduz a economia a uma nova situação de equilíbrio.
As flutuações da economia são fenômenos compatíveis com o progresso tecnológico, o aumento do bem-estar e o equilíbrio a longo prazo. A condição para que isso aconteça é deixar aos mercados competitivos a incumbência de produzir os incentivos para a alocação mais eficiente da riqueza ao longo do tempo. Aos governos nada resta senão cruzar os braços para não turbar os sinais que o mercado emite e não produzir “ruído” nas informações.
Posso estar exagerando, mas a prosopopeia da Nova Economia, espalhada como dogma na segunda metade dos anos 90 e início do terceiro milênio, era uma versão popularesca das teorias novo-clássicas do ciclo real, cujo patriarca é o economista Robert Lucas. As justificativas para a prosperidade americana nos anos 90 e no início do terceiro milênio apoiavam-se em grande medida nessas fantasias. Estava ocorrendo, diziam, um choque de produtividade na economia dos EUA, que, entre curtas flutuações, garantiria crescimento duradouro. Teria havido um deslocamento forte das condições da oferta. Não foi por acaso que Greesnpan, apesar de ter denunciado, em meados da década, a “exuberância irracional”, revelou, por vezes, em seus pronunciamentos, simpatia pela tese dos formidáveis ganhos de produtividade, o que, no final das contas, justificaria o avanço fantástico dos preços das ações e dos imóveis.
A realidade do ciclo financeiro e monetário deixou na pior a teoria do ciclo real.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 66, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
Fonte: Folha de S.Paulo